Os caminhos e descaminhos da carreira de um oficial da
Polícia Militar contam uma história que poderia ser uma lição para estudos de
direito. Investigado e condenado por tortura, por uma acusação de 16 de
fevereiro de 2004, o tenente Djalma dos Santos Araújo não se deteve com os
martelos dos tribunais. Passados 15 anos, ele, depois de ser demitido,
conseguiu não só voltar à PM como passou, em dezembro de 2018, de tenente a
capitão.
O trajeto da condenação até a mudança de patente foi longo,
mas Djalma persistiu. Tudo começou quando foi acusado de ter entrado, com
outros cinco policiais, na casa de Nelson Souza dos Santos, de 31 anos. Era uma
busca por armas e drogas. O morador contou, depois, que colocaram um saco
plástico em sua cabeça e lhe deram choques. Dedos, mamilos e lábios foram
apertados por alicates. E,por fim, foi empalado com o uso de um cabo de
vassoura.
Em dois anos, todos foram condenados. Mesmo assim, Djalma se
manteve na ativa. O Conselho de Justificação da Polícia Militar, que conduz o
processo administrativo para avaliar a conduta do oficial e pode expulsá-lo da
corporação, foi instaurado logo depois do crime. Em dezembro de 2005, a própria Secretaria
de Segurança encaminhou ao Tribunal de Justiça — órgão responsável pela decisão
do conselho — um primeiro parecer do conselho recomendando a demissão do
oficial. Aparentemente, tudo correria muito rapidamente.
Na Justiça, foram quatro anos, o que não chega a ser incomum
para o andamento de processos. Em 2009, desembargadores da Seção Criminal do
tribunal do Rio decidiram que Djalma era “indigno ao oficialato”. O tenente
recorreu e perdeu todos os recursos possíveis até 2014, quando não havia mais
instâncias superiores a que apelar. O Conselho de Justificação tinha chegado ao
fim. Em 2015, sua demissão foi finalmente assinada pelo governador Luiz
Fernando Pezão.
Djalma não cedeu. Logo depois da canetada final, entrou com
um mandado de segurança contra o estado, argumentando que seu Conselho de
Justificação durou mais tempo do que o permitido por lei. Tinham se passado dez
anos, entre o início do processo e a decisão final da Justiça. Pelas regras, o
processo todo só pode levar, no máximo, seis anos.
A reviravolta se desenhava ali, naquele argumento. Em maio
de 2016, os desembargadores do Órgão Especial do TJ, por unanimidade,
determinaram que Djalma fosse reintegrado à PM.
Mas Djalma queria mais, sua ambição era ser promovido, fazer
andar sua carreira de oficial. Alguns oficiais de sua turma já eram majores.
Djalma, que amargou a sentença, tinha parado no tempo. Ele então alegou que “a
reintegração não ocorreu de forma plena”. Em outubro do ano passado, o então
presidente do Tribunal de Justiça, Milton Fernandes de Souza, lhe deu razão:
“promoções são consectários lógicos decorrentes de sua reintegração”, escreveu.
No dia 10 de dezembro, o Diário Oficial estampou a promoção de Djalma a capitão
“pelo critério de antiguidade”.
No dia do crime, Nelson chegou ao Hospital Municipal Miguel
Couto urinando sangue. Os médicos tiveram que reconstituir sua bexiga e seu
canal retal. O laudo de exame de corpo de delito detectou lesões no pescoço, no
antebraço e na região mamária, acusando asfixia e tortura.
Apoio de superiores
No depoimento à Justiça, ele apontou um dos policiais que
estavam com Djalma como o que “enfiou o cabo de vassoura em seu ânus” e disse
que “teve um saco plástico colocado em seu rosto, enquanto apertavam o seu
gogó, que pegaram o fio da televisão e lhe deram choques no rosto e nas
nádegas”. Parentes da vítima viram Djalma na casa naquele dia e o reconheceram
como um dos torturadores. Os agentes não negaram que foram ao local, apenas
disseram não ter agredido a vítima.
À Justiça, o comandante do 1º BPM (Estácio) — unidade onde
eram lotados à época —, tenente-coronel Marcos Alexandre Santos de Almeida,
defendeu seus policiais. Ele contou que, cinco dias antes do crime, um PM havia
sido morto no Morro da Coroa, e, por isso, intensificou as operações. Segundo
ele, o fato “certamente teria trazido desconforto e desagrado aos criminosos
que ali atuam”. Em seguida, o oficial tentou convencer a juíza de que a tortura
havia sido praticada por traficantes, “porque a vítima estaria colaborando com
o trabalho policial”. Já o subcomandante do batalhão, tenente-coronel, Álvaro
Sérgio Alves de Moura, disse que a morte do PM causou “comoção e sentimento de
revolta nos demais policiais”.
Em nota, a PM informou que, desde que foi reintegrado,
Djalma só trabalhou “em funções administrativas”. Atualmente, ele está lotado
na Diretoria Geral de Pessoal — considerada a “geladeira” da corporação. O
capitão, entretanto, sente falta do tempo em que trabalhava nas ruas.
Após sua reintegração, em novembro de 2016, ele postou numa
de suas redes sociais uma foto fardado, segurando um fuzil. “Tem horas que bate
uma saudade”, escreveu. Bem-humorado, o oficial também brinca sobre sua
exclusão, como fez em 2017, quando respondeu a um amigo em um post no qual
aparece treinando tiros. “Pede pra sair, 01” , brincou o colega. “Já saí uma vez. Agora,
tô voltando”, respondeu o oficial.
Djalma posou com o governador Wilson Witzel durante a
campanha eleitoral. A assessoria do Palácio Guanabara disse que Witzel “não tem
e jamais teve relação” com o PM. Segundo o governo, o estado recorreu de sua
reintegração.
Nelson está, até hoje, em um programa de proteção a
testemunhas.
Extra
Nenhum comentário:
Postar um comentário